Faleceu no último sábado (27), o arquiteto Ruy Ohtake aos 83 anos, em decorrência de um câncer. Ruy era filho da artista plástica japonesa, naturalizada brasileira, Tomie Ohtake. Reunimos uma parte da sua preciosa contribuição a nossa revista, onde na edição impressa de número 100, Ruy foi capa, inspiração e simpatia. Abaixo, você irá conferir um apanhado da sua inteligência, visão e inovações.
“O correto não é falar de arquitetura mineira, gaúcha ou nordestina, e sim brasileira. Essa é a linguagem conhecida lá fora, a mesma que eu defendo em traços contemporâneos, dando continuidade ao que Oscar Niemeyer iniciou na década de 1940 com as obras da Pampulha, em Minas Gerais. Nós tivemos uma relação muito próxima e o que ficou foi o gosto pela beleza da forma”, diz Ruy Ohtake ao defender uma atuação ampla e consistente da profissão.
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Os ensinamentos de Ruy Ohtake
Portanto, para ele, não basta seguir conceitos prévios ou se espelhar rigidamente nas influências áureas do período modernista (1920 – 1970), a intuição deve guiar o arquiteto de qualquer origem rumo à inovação constante.
“Quando você trabalha em conjunto, existe o consenso de determinado assunto. Mas para ser de vanguarda, é preciso romper essa concordância e ir para outro patamar. Como estabelecer um novo caminho ninguém sabe, pois é o mesmo que adentrar numa treva desconhecendo as regras boas e ruins, motivo para se acreditar na intuição”, defendeu.
Portanto, talvez por isso seja tão fácil identificar suas obras pelas ruas. Elas estão espalhadas no Brasil e no mundo, absorvendo a cultura do entorno junto ao estudo minucioso do concreto armado e curvado aliado à estética.
A influência da mãe
A convivência com a mãe Tomie Ohtake sempre foi intensa. Aos domingos, o encontro em família estava garantido na casa da artista nipônica, obviamente projetada por ele. “Quando almoçávamos, eu soltava: não vamos fazer uma reunião de condomínio, o assunto aqui é arte e toda movimentação a respeito”, sentenciava Ruy.
Além disso, a habilidade com a paleta cromática torna nítida a influência da sua própria mãe, a artista plástica Tomie Ohtake (1913 – 2015). Com ela, aprendeu a minúcia artesanal em pintura, gravura e escultura ao ponto de transmitir tal beleza no seu contexto.
“Vejo muita superficialidade. O pessoal tem medo de falar belo. A arquitetura precisa ser bonita. Essa é, na verdade, a sua primeira intenção, porque o engenheiro já cuidará da função, e nosso papel é outro. Não devemos produzir para os nossos pares, e sim para as pessoas, que precisam se sentir atraídas por aquilo”. Neste momento, aponta uma das suas criações mais reconhecidas mundialmente, o Hotel Unique, erguido em 2002 na movimentada Av. Brigadeiro Luiz Antônio/SP.
Para ambos, a essência da profissão é seu caráter inovador. “Nunca digo que farei o possível, porque soa conformista. Acredito que projetar é transformar, sendo transgressor ao dar um passo inesperado. O consenso na democracia é importante, mas nas artes é péssimo”, conclui Ruy Ohtake.
A revistaSIM #100
Essa foi a belíssima capa da revistaSIM #100, onde tivemos a preciosa participação do mestre. Ele que sempre foi muito generoso, nos repassou o seu conhecimento para que pudéssemos compartilhar com os nossos leitores. O croqui utilizado na capa foi desenhado especialmente para este edição. Uma verdadeira honra para nós!
O hotel Unique
A fachada chama logo atenção pelo desenho de arco invertido, suspenso do solo, formado por concreto, madeira e cobre. Este último material é composto por placas pré-oxidadas variando de tonalidade. Por baixo da linha curvada ainda existe um volume de vidro onde funciona o lobby, com vista para a área externa do jardim de pedras assinado por Gilberto Elkis. É por onde o visitante tem acesso às dependências do hotel ambientado por João Armentano ao sinalizar uma empena de concreto em cada extremidade.
Por dentro, o deslumbre se mantém com o auxílio do vidro reto e curvo envelopando a recepção, com madeira também presente no forro. Neste setor, é possível visualizar o bar disposto numa parede única de nove metros, com iluminação independente, equipado por sofás, puffs e poltronas. Ao subir para algum dos 95 leitos, o hóspede se depara com um corredor nada tradicional, sinuoso e de pouca luz, fazendo uma relação correta da linha externa com a interna.
O portfólio de Ruy Ohtake
Em seu portfólio há mais de 300 produções mundo afora, e elas precisam se interligar no pensamento de vanguarda. Sua equipe pode não ser das maiores, mas é integrada. “Confesso que sou centralizador. Hoje trabalham comigo nove profissionais de épocas distintas do escritório”, explica.
O projeto de Heliópolis
Além disso, quando questionado sobre qual projeto foi o mais desafiador, a resposta veio de imediato: “aquele que está por vir!”. A descontração tomou conta até o momento em que o nome da maior comunidade de São Paulo surge imperativo: Heliópolis. Por lá, vivem mais de 200 mil pessoas. Gente que, segundo o arquiteto, invadiu o terreno nos anos 1970 fugindo da pobreza que assolava as cidades do interior nordestino.
Portanto, o encontro teve origem quando circulou na imprensa um texto escrito por Ruy Ohtake falando que esses territórios precisavam ser ouvidos. “Aceitei prontamente e pedi para fazer uma visita, percorrendo as ruas e ouvindo as necessidades dos moradores. Foi assim que notei o quanto existe solidariedade ali dentro, observando não só o local, mas as pessoas. Escutei todos eles e anotei pelo menos nove itens, em que a maioria revelava a identidade cultural daquele grupo”, lembra.
Portanto, deixamos registrado aqui, toda a nossa admiração pelo mestre. Além disso, desejamos força para a família.