Além de mudar o cenário profissional valorizando a cultura popular, Janete Costa foi uma das figuras-chave daquela geração que estabeleceu uma identidade arquitetônica brasileira moderna.
Nascida em 1932, a infância de Janete foi marcada pelos brinquedos que ela fazia à mão e pela forma como a água era armazenada em sua casa: um jarro de água ou pote de barro. Pois mal sabia ela que a partir daí surgiria uma paixão.
Paixão essa a qual transformou a arquitetura brasileira, e influenciou até mesmo fora do Brasil. Janete sempre foi e será exemplo não só para os profissionais da área, assim como para os moradores conterrâneos e muitos conhecedores de sua história pelo mundo.
Neste artigo você terá uma coletânea em resumo sobre a vida da arquiteta mais prestigiada de Pernambuco e do país inteiro. Uma forte influência e nome mais que conhecido pelos arquitetos do Brasil, Janete Costa merece mais que uma simples homenagem por todo o seu feito para a profissão.
O que você encontrará neste post:
Quem foi Janete Costa? Visão geral
Filha de superintendente de usina termoelétrica e de professora, Janete Ferreira da Costa foi a filha mais velha de três irmãs. Nascida no dia 03 de junho de 1932 em Garanhuns-PE. Cresceu tendo que enfrentar as dificuldades peculiares de uma família de classe média.
E tendo seu crescimento e criação em João Pessoa, e logo após na Praia da Conceição em Paulista, Janete se muda para Natal – RN, onde viveu dos 15 aos 20 anos de idade.
Em 1952 ela se muda novamente, mas dessa vez para Recife-PE, onde inicia os estudos no Curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes de Pernambuco (EBAP).
Em 1954 casou-se com Maurício Leitão Santos, arquiteto pernambucano. Em 1956, ele teve sua primeira filha, Cláudia Roberta Santos, hoje também arquiteta.
Em 1958 houve o nascimento de outra filha do casal, Lúcia Roberta Santos, hoje galerista. O casal teve também um filho em 1960, Mário Santos, também arquiteto.
Ainda em 1960 Janete abre a loja de móveis e acessórios Escala na Praia de Icaraí em Niterói-RJ, vendendo móveis de designers brasileiros como Joaquim Tenreiro e Sergio Rodrigues.
Além disso, este também foi o ano do lançamento da primeira coleção de móveis projetados por arquitetos e parceiros, chamada Senzala.
No ano de 1961 Janete se formou no curso de Arquitetura pela Faculdade Nacional de Arquitetura do Brasil.
Em 1969 casou-se com Acácio Gil Borsoi e em 1970 o casal comprou uma casa juntos na Rua do Amparo, nº 60 em Olinda- PE, onde fixaram residência e onde funcionaria também a Galeria Amparo 60.
Em 1972 Janete e Acácio tiveram uma filha, Carmen Roberta Borsoi. O casal viveu junto por mais de quarenta anos até a morte de Janete.
E entre tantos projetos, cursos, exposições, Janete construiu sua história com muito amor pela arquitetura e por suas raízes, que mostraremos a seguir.
A formação – e um sonho
Voltando um pouco aos anos, lá pela década de 50, vamos explicar a formação e o sonho da nossa arquiteta se tornando realidade, e virando inspiração para muitos profissionais nacionais e internacionais.
Tudo começou quando Janete Costa iniciou seu curso de arquitetura na Universidade Federal de Pernambuco em 1952, mas só foi terminar o curso apenas 9 anos depois, na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Brasil no Rio de Janeiro, cidade a qual se mudou na mesma época.
Ela atuou na área de design de interiores residenciais desde o início do curso, atuando em centenas de projetos em vários estados do Nordeste e também no Rio de Janeiro.
Ao pesquisar o museu do Forte dos Reis Magos, Janete descobriu a beleza e a riqueza das expressões da cultura popular.
Começou então a olhar para suas raízes com novos olhos, e só então foi associado a um estado de pobreza que precisava ser superado e esquecido. Desde então, tornou-se embaixadora da arte popular de ambientes de decoração de interiores.
Sua arquitetura diferenciada
Janete sempre foi uma mulher de princípios e valorizava desde o início de sua carreira a arquitetura diferenciada dos demais. Para ela, uma peça de arte sempre foi tida como prioridade entre os seus gastos.
Ela tinha paixão pela cultura popular, por objetos de decoração, e não escondia de ninguém que essas peças tinham total importância para suas decorações de interiores.
E para ilustrar e confirmar bem essa afirmação, em 1969, Janete recebeu o prêmio anual do Instituto Brasileiro de Arquitetura (IAB) em nome de Pernambuco.
Janete já realizou mais de 3.000 projetos na área, entre residências, bibliotecas, cinemas, escritórios, clubes, galerias, prédios comerciais e residenciais, museus, saguões de aeroportos e até hotéis; neste último, torna-se referência de qualidade em nível internacional nível.
Em 2006, Janete recebeu a Medalha da Ordem do Mérito Guararapes, a mais alta comenda concedida pelo Governo do Estado de Pernambuco, além da Medalha João Ribeiro, concedida pela Academia Brasileira de Letras pelo seu destaque no âmbito cultural, em 14 de dezembro do mesmo ano.
Em 2007 ela recebeu o prêmio “Mulheres mais influentes do Brasil”, quarta edição, na categoria Arquitetura e Decoração. Entre outros reconhecimentos e exposições que marcaram a história de sua vida.
Exposição Transparências
Um dos prazeres mais recentes que Janete teve foi se dedicar à confecção e organização da Exposição Transparências.
Ao mesmo tempo em que ela foi a autora da mostra, também foi homenageada. A reunião de mais de trinta peças de vidro serviu como um presente de aniversário para comemorar seus 75 anos de muita energia.
A fixação em vidro vem desde pequena: “Lembro que ficava olhando por muito tempo uma cristaleira de copos antigos de uma amiga de minha mãe, enquanto minhas amigas brincavam no jardim”, disse Janete.
Com mais de cinquenta anos de experiência, começou a colecionar cacos de vidro. Ele carregava uma cópia com ele onde quer que fosse, e até comprou um velho pedaço de vidro que não servia mais.
E nessa exposição que aconteceu no ano de 2007, Janete mostrou seu talento mais uma vez: dando utilidade a objetos até então inúteis.
Lançamento do DVD “Uma vida – Coleção Janete Costa e Acácio Borsoi”
Com a direção do fotógrafo e cineasta Francisco Baccaro (neto da arquiteta), Janete tem a sua carreira e a do marido Acácio Gil Borsoi retratada na exposição “Uma Vida”, produzida e lançada em 2008.
O documentário foi produzido baseado na mostra e na história e no acervo dos dois. Confira no vídeo abaixo:
Grande influência para outros profissionais
Citaremos aqui apenas alguns dos muitos influenciados positivamente pela ideia e arquitetura de Janete, com relatos e experiências que só puderam ser vividas graças à forma diferenciada de trabalhar da profissional. Confira:
Marco Antonio Borsoi
“Sempre me impressionou como Janete conseguia cativar os clientes. Construir a relação e fazê-los parte de seu universo e de seu próprio crescimento. Chegar às soluções de projetos surpreendentes e atingir uma dimensão maior que a satisfação de uma simples ambientação. O projeto acima dos modismos. A lição de superar os vícios, as limitações e as imposições do estilo. A cultura como elemento de equilíbrio e de mediação entre a condição humana e o estar no mundo”
Palavras de Marco Antônio Borsoi, filho de Acácio Gil Borsoi e enteado de Janete. Para ele é fascinante a convicção com que Janete redescobre o caráter arcaico e mítico da arte popular e reintroduz em seus projetos contemporâneos – assim mesmo, no presente.
“E, ao mesmo tempo, o seu amor pelos grandes designers atemporais, nos mobiliários, objetos e luminárias. Lembro, por exemplo, dos belíssimos objetos utilitários dos finlandeses Arne Jacobsen e Tapio Wirkkala de seu apartamento em São Paulo, uma perfeita convivência com os objetos da cultura africana, a pintura, a escultura moderna e a arte contemporânea”, pontua Marco Antônio.
O arquiteto diz, ainda, que toda essa experiência pode ser sintetizada em três momentos marcantes da trajetória profissional de Janete: as residências e apartamentos, a hotelaria, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, e os espaços museográficos, incluindo a curadoria de grandes exposições de arte popular.
“O sentido de completude entre Janete e Acácio, meu pai, é a contribuição decisiva, sem dúvida. Borsoi mais cerebral e Janete mais emocional. Depois descobri que Janete não era tão só emoção e Borsoi não só razão, mas uma síntese essencial para o ato criador. Sobretudo, a maior influência de ambos, foi a exigência de encontrar a coerência interna e imutável da criação arquitetônica”, encerra.
Andréa Gáti
Outra influenciada foi a arquiteta e pesquisadora Andréa Gáti, que conheceu Janete Costa quando ela já havia falecido. Em 2011, quando escrevia a sua monografia de especialização de Design de Interiores.
“Foi um desafio escrever sobre Janete, pois muito se falava dela no meio, mas não havia nada escrito. Me impressionou muito a personalidade do seu trabalho, facilmente reconhecido e que inspirou muitos colegas, virou a maior referência na arquitetura de interiores pernambucana, reconhecida nacionalmente. Foi por causa da tão falada “Escola Janete Costa” que decidi estudar sua obra, foi o tema da minha monografia”, lembra.
Apesar de não ter conhecido a arquiteta pessoalmente, Andréa diz ter “convivido” bastante com ela:
“Durante dois anos de especialização e mais dois de mestrado entrevistei seus familiares, amigos, colegas de profissão, funcionários, ex-estagiários, e além disso participei da construção do seu Inventário, da organização do seu acervo pessoal não só de projetos, tendo acesso ao seu “infinito particular” (título de um artigo que escrevi sobre Janete Costa), posso responder que convivemos intimamente. E a grande característica dela que me encantou foi sua autonomia em relação a parceria com um dos maiores nomes da arquitetura moderna pernambucana, Acácio Borsoi. Janete trabalhou sempre de forma colaborativa com Borsoi. Seus trabalhos se complementam. Ela não se deixou ofuscar por ele”.
Sandra Moura
Janete Costa também foi uma grande inspiração para a arquiteta Sandra Moura. A paraibana nunca trabalhou diretamente com Janete, mas a ligação foi tão forte que ela a considera sua mestra na profissão.
“Acredito que você só consegue ter o seu trabalho respeitado quando tem um DNA local. E o de Janete se tornou universal, porque ela tinha essa identidade local muito forte e isso fez com que se diferenciasse”, afirma Sandra
Roberta Borsoi
A filha mais nova, Roberta, diz que além de ter sido um exemplo como pessoa e de vida, ser generosa, honesta e amiga em todas as horas, Janete Costa é muito mais que uma grande profissional.
“Eu respiro todas as sensações de Janete. Quando está com um projeto, ela intervém no espaço, na obra, nos detalhes. A sua arquitetura do bem-resolver o estético e o funcional caminha junto com a sua exigência.” diz ela.
Roberta conta que nunca aconteceu de um trabalho não dar certo porque a Janete tem uma criatividade inesgotável. Sua relação com o que faz é, no mínimo, orgânico.
Carlos Augusto Lira
Carlos Augusto Lira, arquiteto e outro discípulo de Janete Costa também fez seu relato mais que especial sobre a influência da arquiteta em sua vida:
“Quando você viaja, sua cabeça abre. Você tem que visitar feiras, estar atento às tendências e ao que está acontecendo, mas isto não significa que deva usar aqui o que está sendo usando em Milão da mesma maneira”, expõe Carlos Augusto.
A lição, uma das que tornou Lira um profissional memorável, faz parte do conceito de ser universal sem deixar de ser regional – grande mudança no movimento da Arquitetura de Interiores, que aprendeu quando ainda estudante-estagiário da arquiteta.
Inauguração do Museu Janete Costa de Arte Popular
No ano de 2012 foi inaugurado o Museu Janete Costa de Arte Popular, em homenagem à arquitetura pernambucana. A exposição inaugural Janete Costa apresentou 140 obras, com curadoria do arquiteto e filho de Janete, Mario Costa Santos.
A exposição teve como objetivo sintetizar a arte popular brasileira, e quem visitou o museu pôde ver as esculturas em barro de Mestre Vitalino; a africanidade das esculturas do baiano Agnaldo; a simplicidade da madeira esculpida na roda viva pelo GTO, entre outros.
O museu fica em Niterói, no Rio de Janeiro, e atrai desde os estudantes e profissionais de arquitetura, até os admiradores da arte de Janete.
Espaço Interferências
Pensado inicialmente pela arquiteta pernambucana Janete Costa, o Espaço Interferências garimpa e seleciona referências da arte popular Brasil afora.
E a cada ano da Fenearte (Feira Nacional de Negócios do Artesanato) inova, tendo sido 2019 um ano de muitos desafios para Bete Paes e Roberta Borsoi.
O local visa valorizar o diálogo entre artesanato e design e sua utilização na decoração, promovendo novas perspectivas.
Conforme proposto originalmente, as curadoras Bete Paes e Roberta Borsoi buscam a cada ano inovar, criar ambientes contemporâneos e trazer tradições artesanais para novos mercados – ampliando relacionamentos com designers e arquitetos.
No espaço, pequenos ambientes íntimos, como salas de estar, são montados com objetos de design e artesanato. Entre as relíquias culturais, há trabalhos práticos e decorativos construídos com técnicas manuais.
“A cada ano é um novo desafio. Porque queremos manter viva a proposta inicial, indo sempre em novas fontes. Este ano fomos buscar o mobiliário de jovens designers pernambucanos ou designers que bebam da fonte do artesanato”, diz Roberta. Bete reforça: “Somos muito felizes na hora em que procuramos, porque temos sempre boas surpresas e encontramos justamente o que buscamos”.
Inauguração da Galeria Janete Costa no Parque Dona Lindu
A inauguração da Galeria no Parque Dona Lindu (Recife-PE) se deu em 2011, em homenagem à arquiteta.
Com um espaço amplo e perfeito para as mais variadas mostras culturais, a galeria constantemente recebe exposições importantes, como por exemplo o “Hotel Solidão” de Marcelo Silveira.
A galeria é mais uma das homenagens que carregam o nome da arquiteta. Ela valoriza as exposições de artistas da região e de todo o país. Perfeita para os amantes da arte, ela é um dos destinos de quem visita a cidade.
A publicação do livro
No ano de 2021 foi publicado o livro “Janete Costa – Arquitetura, Design e Arte Popular”, uma grande coletânea de fotografias e textos críticos, em inglês e português, assinados por Adélia Borges, Lauro Cavalcanti, Marcelo Rosenbaum e Marcus Lontra.
Além disso, o livro teve lançamento presencial também na Fenearte 21, tendo o Espaço Janete Costa completado 19 anos nesta edição.
Janete Costa: Para sempre
“Para o bem das novas gerações é preciso se redescobrir Janete. A profissional completa, o viés humano, o papel da cultura e da compreensão do que se passa na relação entre o cliente e aquele que vai projetar o seu sonho”.
A sentença proferida pelo arquiteto Marco Antônio Borsoi dá uma dimensão da importância de Janete Costa para a arquitetura brasileira e o quanto ainda ela precisa ser “descoberta” pelas novas gerações.
Sua paixão e admiração pelo artesanato é fascinante! Pode-se até pensar que é apenas uma maneira de adicionar diferentes enfeites aos seus projetos, mas não, seu conhecimento de artes e ofícios populares vai muito além disso.
Ela distingue entre os dois; a arte popular é criada por um artista, geralmente uma peça única e assinada por ele mesmo; o artesanato, por outro lado, é uma peça em grupo, produzida em massa e não assinada.
A visão de Janete para esses profissionais é uma missão que tem alma e valor em seu trabalho. Uma de suas frases mais marcantes foi “Eu quero entrar no anonimato e fazer os artesãos dessas comunidades mais esquecidas saírem do anonimato”
Um trabalho de artesãos, em grande parte por necessidade, um presente feito à mão, que permitiu a Janet trazer o visual e grande movimento para o mercado.
O movimento tornou-se então uma expressão cultural, absolutamente necessária, pois o Nordeste raramente era explorado e valorizado nesse sentido.
Janete Costa faleceu em novembro de 2008 aos 76 anos, mas deixou um legado de gratidão pelas nossas origens; o que é brasileiro; com alma, amor e arte.
Entre as possibilidades de agregar algo mais autêntico ao mercado e olhar para os pequenos produtores pernambucanos.
Nas palavras do também falecido marido, Acácio Gil, ele diz com admiração: “Ela é uma mulher de grandes talentos que soube, durante toda sua carreira, fazer crescê-los cada vez mais. O talento é um só, que vem com a criatividade. E isso ela tem de sobra. Fico admirado com o poder que ela tem de criar coisas novas e o de transformar. Mas o que mais impressiona é que diante de todo esse dom, ela é uma pessoa modesta.”
Em resumo, esses são alguns dos muitos espaços que homenageiam nossa profissional: Espaço Janete Costa no Museu do Homem do Nordeste (PE); Galeria Janete Costa no Parque Dona Lindu (PE) e Janete Costa no Museu de Arte Pop da Torre de Niterói (RJ).
Por fim, fique com o documentário Janete Costa – Para Sempre, produzido pela Miraimidia, através da Revista SIM! costurando depoimentos emocionados de parentes, arquitetos, amigos e colaboradores sobre a personalidade, os traços marcantes e a construção da história de sucesso da madrinha da arte popular brasileira. Confira!
FAQ
Quais foram os lugares que Janete Costa morou?
Janete nasceu e morou por um tempo em Garanhuns-PE, logo em seguida João Pessoa-PB, Praia da Conceição em Paulista- PE, Natal-RN, Recife-PE, Niterói-RJ, Olinda- PE e Rio de Janeiro –RJ
Qual era o legado de Janete na arquitetura?
Seu legado sempre foi a paixão pela exuberância cultural e pela diversidade do Brasil.
Onde fica o Espaço Janete Costa?
Fica no Museu Janete Costa de Arte Popular, em Niterói-RJ.
Quem são os filhos de Janete Costa?
- Cláudia Roberta Santos – arquiteta
- Lúcia Roberta Santos – galerista
- Mário Santos – arquiteto
- Carmen Roberta Borsoi – arquiteta
Quais foram as formações de Janete Costa?
Arquiteta, designer e curadora brasileira