Eles são 15. Homens e mulheres que fazem do seu olhar sobre o mundo inspiração para a leitura das mãos sobre o barro. Seguem o impulso de um talento nato, maturado ao longo dos anos, levando à criação de arte genuína, vivendo de um ofício que se confunde com o início da civilização. Em nossa visita ao cabo de Santo Agostinho, mergulhamos no universo do barro e conversamos com os artesãos liderados pelo Mestre Nena, no Centro de Artesanato Arquiteto Wilson Campos.
O que mais impressiona ao vê-los trabalhar com a argila é o motor da inspiração e a solidariedade que rege os passos de cada uma e cada um do grupo. Cada um traz um traço forte do seu lugar, da raiz. Cada peça tem uma história e vem carregada de significados, simbologias, tradições, costumes, traduções, vivências e invencionices. O que nasce nos sonhos, no pensar de cada um se transforma em imagem 3D, esculpida em tornos ou apenas pelos movimentos precisos das mãos.
São carrancas, bonecas, cabeças, divindades, sertanejos, pescadores, figuras míticas, além de utilitários, luminárias e peças de decoração. Algumas especialmente encomendadas por arquitetos e designers, que procuram o Centro em busca de preciosidades criadas pelo grupo, que recebe apoio do governo e da iniciativa privada.
Formam essa ciranda de arte: Nena, Joselma, Dona Sônia, De Melo, Cida, Guel, Tina, Suely, Dinho, Deó, Fio, Diego, Joselita, Marisa e Otoniel.
“Nós não representamos apenas o Cabo de Santo Agostinho. Nós representamos Pernambuco. A procura pelas nossas peças é tão grande, que ultrapassamos as fronteiras da cidade. Sinto muito orgulho e gratidão por esse lugar. Foi esse Centro que mudou a minha vida. Vivo sossegado, não trabalho tanto quanto eu trabalhava, sou recompensado porque o que eu faço eu vendo e o que eu vendo é valorizado”, diz, orgulhoso, o Mestre Nena.
Por conta dessa grande demanda citada por ele, há o desejo de ampliar o espaço – algo que já vem sendo negociado com o governo municipal do Cabo. “Queremos trazer adolescentes e jovens, para ensinarmos o nosso ofício e livrá-los do mundo das drogas. Nossa intenção é ocupá-los, apresentá-los à arte. Além disso, queremos que esse espaço possa receber mais artesãos e mais produção”, diz.
Deó, artesão há 60 anos, partilha do mesmo intento. Quer ver gente nova chegando no espaço que lhe abriu as portas há mais de duas décadas, para não deixar a roda do artesanato parar. O pai trabalhava com o barro. Observador atento, o menino foi apurando o olhar e começou a tentar arriscar os primeiros passos nas panelinhas e canecas que o pai fazia. Depois, já adulto, conheceu Celestino (o Celé), um dos fundadores do grupo – que o viu vendendo as peças na feira de Ribeirão e o convidou a partilhar do sonho que começava a nascer no Cabo.
Ele produz cerca de dez peças por dia e diz que “trabalha pouco”. “Já cheguei a produzir 150 por dia. Tudo vem da minha imaginação. A gente pega o barro, imagina e faz”, conta, com uma tranquilidade que impressiona. Ao ser perguntado se não quer parar, depois de 60 anos trabalhando, ele é rápido na resposta: “De jeito nenhum! O barro é a minha vida”.
Em 2015 a profissão do artesão foi regulamentada, com a publicação da Lei 13.180, que estabeleceu diretrizes para as políticas públicas de fomento à profissão, instituiu a carteira profissional para a categoria e autorizou o poder Executivo a dar apoio profissional aos artesãos.
Estima-se que mais de 10 milhões de brasileiros, a maioria mulheres, vivam direta ou indiretamente da produção artesanal no país.
Conheça aqui alguns dos artesãos do Cabo:
Nena
Mestre no artesanato. Começou aos cinco anos de idade. Coordena os trabalhos no Centro de Artesanato do Cabo. Traz na bagagem feiras e exposições em Pernambuco (como a Fenearte), Minas Gerais, Alagoas, no Ceará, São Paulo, Rio de Janeiro.
De Melo
Tem 26 anos e chegou aos 21 no Centro. Trabalha com arte desde criança. Fazia os próprios brinquedos com madeira e sucata. Aos 12 conheceu o barro e viu que era o seu caminho na vida. Quando chegou ao Centro foi acolhido pelo Mestre Nena que lhe deu orientações, abriu as portas, lhe proporcionou novos conhecimentos, o uso do forno. Sua inspiração lhe conduz por esculturas que traduzem um universo mágico onde uma mulher traz a possibilidade de gerar flores no próprio corpo, onde Deus abriga o universo no próprio corpo. Se diz um curioso sustentado atualmente pelo barro. Destaca a importância do Centro para o crescimento mútuo, o reconhecimento e o prazer de produzir e viver da arte. O filho de quatro anos já começa a criar suas primeiras peças.
Cida
Começou a trabalhar com o barro aos 17 anos. Seu primeiro emprego foi com a arte, fazendo acabamento nos peças. Um dia, o dono da empresa de objetos esmaltados mudou o fluxo da produção e ela foi para a criação. Desde então, não parou mais. Trabalha com a barbotina (barro líquido) e hoje começa a orientar novas artesãs que chegam ao espaço.
Tina
Conheceu o Centro através de uma seleção promovida pelo Imaginário, em 2013. Ficou encantada com o acolhimento, a hospitalidade e o trabalho feito pelos colegas. Desde a infância buscou encontrar um caminho que lhe desse prazer e mantivesse a sua vida. Foi no grupo que encontrou o que buscava. Trabalha com utilitários e decorativos.
Suely
Foi levada ao Centro pelo Sebrae. Deu início ao seu caminho no artesanato auxiliando na etapa da esmaltação. Ao fim do projeto, tornou-se “sustentável”, como diz. Hoje trabalha com decorativos e utilitários para restaurantes.
Dinho
Conheceu o Centro através de Dona Sônia (artesã do grupo). O barro o despertou para a arte, que lhe trouxe uma visão ampla de liberdade, conhecimento, descobertas e um novo olhar para a vida. Pode, através do barro, vivenciar novas experiências e praticar novas técnicas de trabalhar o barro. Faz objetos decorativos e figurativos. Encontrou no Centro uma oportunidade de vida.
Deó
Trabalha há 60 anos com o artesanato. Faz vasos diversos e foi um dos primeiros a chegar ao grupo. Tem orgulho em dizer que educou os filhos com o sustento que a arte lhe proporcionou.
Fio
Irmão do mestre Nena, trabalha desde criança com o barro. Foi inspirado pelo ofício do irmão. Tem três filhos, criados e formados com os frutos do barro. Ele dedica-se a peças em barro cru e esmaltado.
Diego
Diz ser um “jovem aprendiz”. Está há três anos no Centro. Por enquanto, acompanha a produção do Mestre Nena e dá acabamento nos objetos. É artista plástico. Foi levado pelo amigo De Mello, antigo companheiro de trabalho em Suape. Desenvolveu a Serena, que reproduzem rostos femininos, numa parceria com o Mestre. Quer viver para sempre da arte.
Joselita
Foi levada por Deó ao Centro. Está descobrindo o caminho do artesanato há dois meses.
Marisa
Trabalha com objetos decorativos, figurativos e utilitários. Chegou ao Centro há quatro anos, levada por Dona Sônia (artesão do grupo). Aprendeu no próprio Centro a modelar pequenas cumbucas e patinhos, em oficinas promovidas pelo Imaginário. Logo depois começou a se dedicar a pratos esmaltados que seguem para restaurantes em todas as regiões do Estado. Tem uma linha de peças desenvolvidas por ela. Produz cerca de 20 peças por dia. Hoje paga a sua faculdade com o que produz no barro.
Guel
Trabalha com a cerâmica há 40 anos. Começou em uma olaria, na adolescência. Tudo o que tem, diz, conseguiu através do barro. Produz no torno peças utilitárias e faz esculturas. Garante que nem pensa em aposentadoria. Quer produzir sem parar.
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