“Minha relação com o Brasil foi de carma. Vim pela primeira vez com 17 anos, porque queria encontrar a terra dos papagaios, e logo fiquei fascinado com o que vi. Depois voltei outras vezes e, sempre que ia para Buenos Aires, retornava pior. Foi quando, em 69, em plena ditadura, resolvi ficar definitivamente. Eu não procurava por dinheiro e sucesso, apenas buscava o encantador, um lugar com uma sintonia ímpar para viver”, explica o paisagista, professor, escritor, palestrante e argentino por nascimento Raul Cânovas, que veio ao Brasil em definitivo depois do convite de Roberto Burle Marx para trabalhar no Rio de Janeiro.
Há cerca de 57 anos trabalhando com a arte do paisagismo, Raul vem de uma família que carrega no sangue o amor pelo verde. Seu pai foi um dos grandes incentivadores e professores, e foi aos 13 anos que Raul fez o seu primeiro jardim. “Eu já acompanhava meu pai em seu trabalho, mas houve um dia que ele disse que eu tinha que começar a trabalhar seriamente. Foi quando surgiu um cliente que precisava fazer uma jardineira e plantar uma árvore na calçada. Eu tinha que determinar quais seriam os tipos da vegetação e justificar o porquê… Aí eu tremi, lembro que fiquei pesquisando e descobri as acácias, que têm várias espécies, e encontrei um tipo que se encaixou. Apresentei ao meu pai a ideia e esse foi o início. Depois disso, não parei mais”, conta Cânovas.
Uma das grandes preocupações de Raul é a importância que o paisagismo tem para a construção do bem-estar da sociedade. “O paisagista, quando preocupado com o bem social, vai procurar algo que traga solução para o impacto urbano, porque podemos reconduzir a sociedade para o paraíso perdido, pois em toda a nossa cultura histórica, um jardim aparece como ponto de partida. As pessoas têm que saber que a felicidade não está nos bens materiais. Uma das coisas que notamos é que todos tentam retornar ao campo, comer uma boa refeição do interior, ou seja, inconscientemente estamos reconhecendo que o mundo fora dos grandes centros urbanos nos deixa mais felizes”, explica.
Paisagismo para a construção do bem
Uma das grandes preocupações de Raul Cânovas é a importância que o paisagismo tem para a construção do bem estar da sociedade. “O paisagista, quando preocupado com o bem social, vai procurar algo que traga solução para o impacto urbano, porque podemos reconduzir a sociedade para o paraíso perdido, pois em toda a nossa cultura histórica, um jardim aparece como ponto de partida. As pessoas têm que saber que a felicidade não está nos bens materiais. Uma das coisas que notamos é que todos tentam retornar ao campo, comer uma boa refeição do interior, ou seja, inconscientemente estamos reconhecendo que o mundo fora dos grandes centros urbanos nos deixa mais felizes”, explica.
Outro ponto que se destaca no seu modo de trabalho é como ele encara a simplicidade inerente a sua profissão. “Passei um dia na casa de campo do maior paisagista do mundo, atualmente o francês Jean Clement, e ele sintetiza muito essa simplicidade. Ele tem 73 anos e na sua casa não há um grande jardim, porque ele diz que não pode concorrer com os pássaros. Ele também não tem celular ou computador, mas tem qualidade de vida. Quando você encontrar profissionais que ainda ostentam dinheiro com relógios e carrões, é porque são emergentes e ainda precisam se afirmar”, diz Raul com convicção.
Cânovas contabiliza mais de 3000 projetos em seu currículo, porém o mais importante, empolgante e especial foi o planejamento da sua casa. “Não é de longe o mais espetacular, mas eu fiz com muito carinho e o cliente era eu. Foi simples porque me conheço bem. Tenho muitos projetos, no entanto os mais importantes são os que eu consigo levar para o usuário um algo a mais. E nunca é uma residência familiar, são hospitais psiquiátricos e áreas industriais. A ideia de fazer com que as pessoas na hora do
almoço possam sair desses ambientes e ficar por uma hora em um jardim aconchegante, limpo e com flores é incrível. Assim, elas podem descansar e voltar para o trabalho bem animadas e reabastecidas”, diz Raul Cânovas, que complementa: “Já dei consultoria sobre como inserir o paisagismo em um terreiro de umbanda, trazendo um pouco da vegetação africana para deixar o lugar mais aconchegante, harmonioso e gostoso. O fato de levar a felicidade para as pessoas me deixa mais feliz”.
Para se fazer um jardim, o paisagista sempre ressalta que é preciso primeiramente saber por que o cliente necessita dele e para quê. É essa a sua visão, a de que a construção tem que ter um sentido, não se tratando apenas do fazer por fazer. E isso se aplica também aos jardins sensoriais, que proporcionam ao ser humano exercitar quatro dos sentidos do corpo humano: o tato, a partir das texturas das plantas; a audição, mediante os sons da água; o olfato, com os aromas, e a visão, por meio da explosão de cores
que compõem a vegetação nesse espaço. “Escutei de um paisagista chinês que se você consegue fazer um jardim que atraia um caminhante e o faça parar e observar, você terá feito uma boa obra; se essa pessoa entrar no jardim, você terá feito uma grande obra; porém, se ela não quiser mais sair, você terá feito a maior de todas as obras. Os jardins nos fazem bem e provocam a sensação de felicidade”, diz com alegria Raul Cânovas.