“A arte diz o indizível; exprime o inexprimível, traduz o intraduzível.” É mais. É forma de expressão, é maneira de reunir todas as dimensões humanas – a emotiva, a racional, a mística, a corporal. Ela recebe, abraça e representa como disse Leonardo da Vinci, autor da frase que inicia esta matéria. Aliás, foi com a ideia de receber e promover encontros através da arte que o artista plástico Marcelo Silveira ficou imerso por cerca de dois meses na rotina e cultura da cidade de Belo Jardim, no agreste pernambucano.
Durante o projeto de residência, promovido pelo Instituto Conceição Moura com curadoria de Cristiana Tejo e Kiki Mazzuchelli, Marcelo realizou oito trabalhos que foram instalados em ruas e locais da cidade. A primeira das ações, chamada de Entre a surpresa e o que se espera, dialogava com os pedestres por meio de esferas de madeira que se tornavam obstáculos ao passeio público. “Elas eram colocadas nas ruas durante a madrugada, para ninguém perceber as mudanças de lugar. Quando amanhecia, os moradores se deparavam com elas e havia uma grande movimentação na cidade com as pessoas tentando descobrir o que era aquilo e qual seria o próximo lugar que a esfera estaria”, explica. “É uma forma de encontrar a cidade no som, na temperatura e no movimento dela através de intervenções que primeiro eram silenciosas e que, ao poucos, foi contaminando as pessoas, gerando curiosidade e provocações”, completa Marcelo.
Promovendo o contato entre arte e educação, o artista também levou para o campus do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) no município, o trabalho Bochince – oito conjuntos de longos fios de couro fixados no teto -, a obra Cabeludas -peças feitas de crina e rebo de cavalo -, instalada em uma escola local, além de atividades de leitura coletiva, contação de histórias e veiculação de filmes de arte com os alunos. Aliás, parte da biblioteca de Marcelo foi levada para a cidade. “É interessante o quanto eles se envolvem e estimulam a curiosidade do querer saber. Muitas das peças receberam a interação deles que, por algumas vezes, modificaram e trouxeram novas leituras”, aponta.
O artista levou ainda para a cidade a loja fictícia Só de Bonito, com vários objetos de vidro quebrados, prateleira vazias e atores que respondiam as perguntas dos curiosos com uma única frase: “É só de bonito”. Outra atração, foi um circo sem teto, chamado de Deus queira que não chova, que apresentou aos do distrito de Barro Branco, comunidade quilombola da região, um espetáculo sobre a seca.
O convidado para a próxima residência, marcada para acontecer no próximo ano, será Carlos Melo, artista plástico pernambucano conhecido por discutir e valorizar a produção artística com o barro. “Venho de uma sequência de residências que, para mim, são como uma espécie de plataforma de ação, um momento para investigar e conhecer. Tenho feito algumas descobertas em relação ao meu processo criativo durante essas imersões”, conta. Para o projeto, em Belo Jardim, ele prevê a produção de um média metragem.