Por Raul Córdula
Grande parte das pessoas que residem no Recife não sabe que as esculturas, murais e outras categorias de obras de arte instaladas nas fachadas, jardins ou halls dos edifícios, particulares ou públicos, estão ali por obrigatoriedade de uma lei municipal de 1961 criada por sugestão do escultor Abelardo da Hora, quando dirigia a Diretoria de Parques e Jardins da prefeitura de Miguel Arraes. Esta Lei, número 117, criou um nicho de mercado para os artistas que trabalham com material de alta resistência e assim nos proporcionou um excepcional acervo público de grandes nomes, pois ela exige que a obra instalada seja visível para o público passante. Se procurarmos com atenção, veremos criações de importantes artistas, como o próprio Abelardo, e seus pares Francisco Brennand, Lula Cardoso Ayres, Corbiniano Lins, José Cláudio, Armando Lacerda, Anchises Azevedo, Aloísio Magalhães, Petrônio Cunha, Marianne Peretti, Alex Mont’Elberto, Edgar Ulisses, Roberto Cavalcanti, Jobson Figueiredo, Cavani Rosas, João Câmara, Ferreira, José Paulo, Cristina Machado, Demétrio Albuquerque, Augusto Ferrer, e muitos outros. Um acervo de causar inveja a qualquer cidade brasileira.
Olhando do ponto de vista dos artistas autores das obras de arte instaladas a partir dessa Lei, considerando que há mais de cinco décadas esta ação é movimentada em cada edifício que se constrói na cidade, isto se trata de uma reserva de mercado que somente traz benefícios à vertente de objetos de arte. Porém, vendo-se da perspectiva museológica, isto é, da qualidade da obra, especificações, conservação, restauração, colocação e apresentação ao público, a Lei necessita de muitos detalhes para seu perfeito cumprimento, especialmente se observarmos seu principal intuito, o de oferecer à cidade um museu de arte a céu aberto — coisa que, por sinal, é uma visão atualíssima da museologia no mundo inteiro, que nosso saudoso Abelardo da Hora intuitivamente compreendeu antes dos museólogos. É importante informar que qualquer edifício construído somente receberá o Habite-se a partir da implantação da obra como está no seu Artigo 3º: “Ao requerer a licença de construção para os edifícios que terá que anexar ao requerimento, o projeto da obra de arte deverá ser assinado pelo artista e pelo arquiteto autor do projeto do edifício.”
A participação do arquiteto na seleção da obra é fundamental, sendo ele o “autor” do edifício, pois arquitetura pode e deve ser tratada como arte não só do ponto de vista da engenharia, mas da plasticidade e da visualidade. No Artigo primeiro da Lei, que teve sua redação modificada em 1984, isto está escrito: “Todo edifício com área superior a 2.000m2 que vier a ser construído no município do Recife deverá conter, externamente ou no hall do edifício em lugar de destaque e de fácil visibilidade, obra de arte – Escultura, Pintura ou Relevo Escultórico – de autor de comprovada habilitação profissional nos termos da presente Lei 14.239 e compatível com o projeto arquitetônico, devendo neste sentido receber a chancela do arquiteto autor do mesmo.”
É importante citar que a Lei atinge também, como determina o parágrafo único deste Art. 1º, “Os efeitos deste artigo também incidem sobre edifícios de grande concentração pública e com área superior a mil metros quadrados, como casas de espetáculos, hospitais, casas de saúde, estabelecimentos de ensino público e particular, estabelecimentos de crédito, hotéis, clubes esportivos, sociais ou recreativos, templos ou edifícios públicos”.
Isto tudo resultará, se o nível de qualidade que a um programa de incorporação de arte à cidade exige, de um controle de qualidade que deve nascer da qualificação do artista. Não apenas da qualificação técnica que uma obra de arte pública deve ter, mas do currículo do autor e da adequação da obra ao edifício. A gestão, por assim dizer, desta Lei precisa da visão curatorial.
Consideramos então que para a aplicação desta Lei, para a consecução da ideia de um museu a céu aberto, para a incorporação dos resultados deste trabalho ao patrimônio de arte pública da cidade, que já continha elementos de excelência antes dela, é importantíssimo que os projetos, e/ou maquetes, das obras adquiridas e aplicadas nos prédios sejam resultado de convite a determinados grupos de artistas, sugeridos pelo arquiteto autor do edifício, e por uma rigorosa seleção feita por uma comissão que teria o referido arquiteto como membro, pois é sua competência a especificação do material a ser utilizado na obra, sua localização visando ao conjunto estético, as dimensões da obra de arte, escultura ou mural, e finalmente a questão do estilo ou da tendência artística que se harmonize com o perfil do edifício.
Infelizmente, hoje a decisão sobre a obra é prerrogativa da empreiteira e se dá pelo preço. É claro que algumas empresas adequam a qualidade da construção à obra que lhe vai integrar, mas grande parte do que é construído é “adornado” por obras medíocres, às vezes ridículas.
É urgente, e fundamental, um foro que possa discutir esta sofisticada característica urbana e mais uma vez adequar a Lei da arte nos edifícios à qualidade da produção artística em nosso Estado.